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Idéias para uma musicologia das músicas digitais:
notas a uma leitura de Landy

Carlos Palombini
Pesquisador Visitante
Faculdade de Tecnologia
Open University
Reino Unido
Palombini@altavista.net

Resumo

A musicologia da música eletroacústica é resenhada por Landy (1999) de acordo com a divisão tradicional da disciplina: musicologia histórica, musicologia sistemática e etnomusicologia, acrescidas da musicologia crítica. Porque a música eletroacústica não pode aceitar certos pressupostos da musicologia tradicional, sua musicologia é necessariamente crítica. Um estudo da música concreta ilustra esta afirmação. A música eletroacústica e sua musicologia são isomorfas.
 

Em "Ideology and Musical Style" Derek Scott (1999) afirma que "a ascensão nos últimos anos da 'musicologia feminista', da 'musicologia crítica' e da 'musicologia guei e lésbica' [1] leva à pergunta: "estamos vivendo numa era de musicologias alternativas ou testemunhando a desintegração da musicologia como disciplina?" Para Scott, uma vez que o conceito unitário de uma disciplina é parte de um paradigma de pensamento musicológico hoje desacreditado, a musicologia deve propor-se não como um campo autônomo de questionamento acadêmico ou uma disciplina, mas como um campo de transposições de vários sistemas significantes, um campo intertextual. Em 1966 Pierre Schaeffer (1966: 31) propunha a música "como uma atividade globalizante, uma interdisciplina propriamente dita; uma atividade que, corroborando várias disciplinas específicas, verifica por síntese suas contribuições parciais, no plano dos fatos e no das idéias; uma atividade de descoberta, tanto quanto aquelas disciplinas, que visa não só a criar obras, mas também -- e talvez sobretudo -- a fundar um conhecimento."

Resenhando a musicologia da música eletroacústica [2], Leigh Landy (1999) atém-se à conhecida divisão da disciplina: musicologia histórica, musicologia sistemática e etnomusicologia, acrescidas da musicologia crítica. Segundo Landy, a musicologia histórica da música eletroacústica tem enfocado sobretudo aparelhos e técnicas. Ela deveria (1) levar em conta os trabalhos da musicologia eletroacústica sistemática, (2) relacionar os desenvolvimentos musicais aos tecnológicos e (3) combinar numa única entidade as histórias das músicas "pop" e "contemporânea" [3]. A musicologia sistemática da música eletroacústica abarca uma variedade de subáreas: novas teorias de arte sonora, categorização de sons (níveis micro e macro), famílias de abordagens/trabalhos, (res)síntese de som, manipulação de som, análise espectral, espectromorfologia, novos instrumentos, interfaces para interatividade/performance, novos protocolos para controle digital de som, novas abordagens de performance (contextos), multimídia, som e espaço/acústica, novas notações/representações, novas abordagens de análise, ordenação de som (nível micro), ordenação de entidades musicais eletroacústicas maiores (nível macro), inteligência artificial, modos de escuta/percepção, psicoacústica/cognição, arquivamento de informação, estética/filosofia/crítica, etc. Nem sempre tratadas de modo sistemático, estas subáreas se inter-relacionam de modo defectivo, segundo uma "mentalidade insular". Seria desejável que os trabalhos na área incluíssem (1) uma declaração da pretendida relevância dos resultados, (2) uma avaliação em função dos resultados obtidos (acquired feedback evaluation, vide Elliott 1991) e (3) uma previsão da aplicabilidade dos possíveis resultados, bem como uma comparação entre estes resultados e outros trabalhos [4]. A etnomusicologia da música eletroacústica é a menos explorada da três áreas. Interessada no impacto da música eletroacústica sobre a escuta, na cultura auditiva, em nossa relação com os sons circundantes, na emancipação do som como unidade musical e na avassaladora aceitação da música tecno em contraposição à aceitação marginal de outras formas eletroacústicas, inclusive o pop experimental, ela poderia reconectar uma "comunidade eletroacústica" [5] um tanto enclausurada à "comunidade" em geral. Landy advoga uma abordagem ética [6]: a música eletroacústica deve ser estudada não só "de dentro" como também "de fora" da comunidade que a produz.

No Editorial de Critical Musicology Steve Sweeney-Turner (1997) define assim a musicologia crítica: "(1) uma forma de musicologia que aplica à música aspectos da Teoria Crítica [7] como praticada em outras disciplinas das humanidades; (2) uma forma de musicologia que envolve a crítica teórica de tradições musicológicas anteriores." Porque a música eletroacústica não pode aceitar certas premissas da música culta ocidental (vide Schaeffer 1953: 26-27), sua musicologia é necessariamente crítica, na segunda acepção do termo.

Uma musicologia histórica da música eletroacústica não pode aceitar o papel do artista e o sentido da "Arte" como dados [8]: as transformações da essência da arte em suas relações com a tecnologia podem ser seguidas nos trabalhos de Spengler (1918-22 e 1931), Beyer (1928), Valéry (1931), Heidegger (1935-36, 1954a e 1954b), Benjamin (1936), Adorno (1938), Simondon (1958) e Ponge (1961). Uma musicologia sistemática da música eletroacústica deve recusar a "nota" como unidade do discurso musical: este tema foi amplamente desenvolvido por Schaeffer (1966) e ecoa nos dilemas da análise tradicional diante da música atonal e da etnomusicologia diante da análise das "músicas de tradição oral/aural". Uma etnomusicologia da música eletroacústica deve rejeitar a tripartição estésico/neutro/poiético proposta por Molino, popularizada por Nattiez e ridicularizada por David Osmond-Smith, para quem o "nível neutro" representa "uma derradeira tumba para a coisa-em-si de Kant" (Osmond-Smith 1989: 94). Por fim, uma musicologia da música eletroacústica deve questionar a própria tripartição histórica/sistemática/etno.

A musicologia histórica da música eletroacústica elegeu a quizila elektronische/concrète como mito fundador e Leitmotiv [9] para reduzi-la a um antagonismo de equipamentos (sintetizador versus gravador), materiais (sons eletronicamente produzidos versus sons gravados), métodos (serialismo versus bricolagem) ou temperamentos (o racional versus o intuitivo) [10]. Em "Pierre Schaeffer, 1953" (Palombini 1993) procurei demonstrar que, para o grupo eletrônico, a tecnologia era, por assim dizer, neutra, um mero meio para o aperfeiçoamento da tradição musical da Europa ocidental; para Schaeffer, nova tecnologia significava mente nova, o questionamento daquela tradição. Considerando que relações tonais fossem inerentes à construção e à técnica dos instrumentos ocidentais, Schaeffer em princípio rejeitava a aplicação de métodos seriais aos instrumentos tradicionais, mas observava que, na prática, a audição de peças assim construídas podia validar-se através de uma técnica de escuta; considerando que a série aplicada a outras qualidades do som que não à altura perdia seu caráter negativo [11] e abria aos novos sons os domínios da tradição, Schaeffer em princípio aceitava a aplicação de métodos seriais aos sons complexos, mas observava que, na prática, tais sons tinham pouco a ganhar com o recurso sistemático a técnicas seriais [12].

Assim, métodos sincrônicos [13] de análise de texto podem colocar em questão certa musicologia eletroacústica histórica e a musicologia histórica tout court. É que os adjetivos "histórico" e "sistemático" não qualificam o método, mas o objeto da disciplina: a musicologia histórica trata de "história da música" e a musicologia sistemática de "teoria musical", podendo ambas valer-se de métodos sincrônicos, diacrônicos e comparativos [14].

Nos primórdios da música concreta, usar os restos de um órgão destruído pelos bombardeios (vide Schaeffer 1950: 33) era um ato de amor a um certo passado e também a aceitação tácita de que este passado já não era possível [15]. A música concreta gradualmente evoluiu de uma arte de fazer música a uma arte de dar ouvido aos sons. No momento em que o mundo pode ser destruído ao toque de um botão, as coisas cotidianas tornam-se tão importantes quanto as "obras de arte". Revelar a organização sonora de objets (sonores) trouvés é transformar a escuta em uma arte. Ser capaz de escutar um som qualquer em função das associações analógicas, causais e consensuais que este som motiva, e ser capaz de mover-se -- anarquicamente? -- entre analogia, causalidade e consenso, é um exercício que nos prepara não só para criar novas músicas como também para experimentar os sons, as imagens, as sensações e a vida em modos inesperados e mais significativos.

Estudando sincronicamente a história da música concreta e diacronicamente sua teoria nos confrontamos com questões de etnomusicologia. Para Nettl (1983: 132), "se 'a música no contexto cultural' é musicologia padrão, o estudo da música na cultura pode ser efetuado com métodos convencionais de história e etnografia, enquanto o estudo de Merriam da música como cultura [...] é uma especialidade antropológica." Parafraseando Roland Barthes (1974: 13-14), eu diria que "cabe à musicologia [...] colocar em questão seu próprio discurso: ciência da linguagem musical, das linguagens musicais, ela não pode aceitar sua própria linguagem como um dado, uma transparência, uma ferramenta, em suma, uma metalinguagem; fortalecida com as conquistas da psicanálise, ela se interroga sobre o lugar de onde fala, uma interrogação sem a qual toda a ciência e toda a crítica ideológica são derrisórias: para a Musicologia, pelo menos assim espero, não existe extraterritorialidade do sujeito, ainda que erudito, em relação a seu discurso; em outros termos, a ciência afinal não conhece lugar seguro e, neste ponto, ela deveria reconhecer-se écriture" [16].

Esta musicologia é Texto. O Objeto Musical é o sujeito desse Texto. O Objeto Musical é Texto. O Texto não é nem uma obra literária nem uma obra musical: "ele não é um produto estético, mas uma prática significante; não é uma estrutura, mas uma estruturação; não é um objeto, mas um trabalho e um jogo; não é um conjunto de signos fechados dotados de um sentido a ser descoberto, mas um volume de traços em deslocamento; a instância do Texto não é a significação, mas o Significante, na acepção semiótica e psicanalítica [17] do termo" (Barthes 1974: 13).

Ore, se o significado é o significante, como o quer Barthes (1974: 13), e se a música e a musicologia são Textos, estes Textos serão isomorfos. A música concreta improvisa "usos novos para coisas originalmente concebidas com outros fins" (Schaeffer e Hodgkinson 1987: 5), segundo a regra da bricolagem: dar um jeito com o que se tem à mão (Lévi-Strauss 1962: 17) [18]. Uma estrutura nova investe-se de restos abandonados de velhas estruturas (Genette 1963: 37), como praticado pelo pensamento estrutural e pelo pensamento selvagem; por compositores eletroacústicos durante a remixagem [19] e por índios norte-americanos na feitura das canções do peiote (vide Nettl 1983). Economiza-se não fazendo sob medida ao custo de uma dupla operação: análise, i.e. extração de vários elementos de conjuntos organizados, e síntese, i.e. organização destes elementos em um novo conjunto onde, em última instância, eles estarão completamente desvinculados de suas funções originais. Em "Technology and Pierre Schaeffer" (Palombini 1998) selecionei excertos de Benjamin, Heidegger, Nietzsche e Ponge para combiná-los numa "metafísica" do Objeto Sonoro de Schaeffer. Em "Reviewing the Musicology of Electroacoustic Music" Landy (1999) seleciona elementos das musicologias histórica, sistemática, etno e crítica para combiná-los numa musicologia da música eletroacústica. Os seres humanos, diz Nettl (1983: 164), "não podem criar cultura do zero; eles usam peças que já estão disponíveis, combinado-as e recombinando-as". Quando ocorre inovação, há uma ligação ou fusão íntima entre dois ou mais elementos que, até então, não se tinham combinado daquela forma (Barnett 1953: 181, citado por Nettl 1983: 163-64).

Assim, Schönberg (1931: 172-73) "não se fecha para ninguém". De Bach ele aprende a arte de inventar figuras musicais que podem ser usadas para acompanharem-se a si próprias; a arte de produzir tudo a partir de um único elemento, relacionando as figuras por transformação; o desprezo pelo tempo "forte" do compasso. De Mozart, a desigualdade no tamanho das frases; a organização de caracteres heterogêneos numa unidade temática; a desviar-se da construção por números pares do tema e suas partes; a arte de formar idéias subsidiárias; a arte da introdução e da transição. De Beethoven, a arte de desenvolver temas e movimentos; as artes da variação e de variar; as maneiras diversas de construirem-se movimentos longos; a arte de ser desbragadamente longo ou impiedosamente breve, segundo as circunstâncias; o deslocamento das figuras para outros tempos do compasso. De Wagner, a manipulação de temas com finalidades expressivas e a arte de formulá-los segundo tais finalidades; as relações entre notas e entre acordes; a possibilidade de considerar temas e motivos como ornamentos complexos, sobrepondo-os a harmonias com resultados dissonantes. De Brahms, muito do que absorvera inconscientemente de Mozart, particularmente as frases ímpares e a extensão e abreviação de frases; a não ter moderação, a não se restringir quando a claridade requer espaço, a levar toda a figura às suas últimas conseqüências; a notação sistemática; a economia, que é riqueza. De forma análoga, em 1953 Boulez procura ressintetizar "necessidades esparsas em praticamente toda a música contemporânea válida" (Boulez 1953: 31). De Stravinsky ele toma a assimetria, a independência e o desenvolvimento das células rítmicas; de Webern, a redução do discurso musical às funções seriais, o papel estrutural da orquestração e a série como uma maneira de tramar o espaço sonoro [20]; de Varèse, o uso de acordes em função de suas qualidades sonoras intrínsecas, a intensidade como componente estrutural e as escalas não-oitavantes; de Cage, a recusa aos clichês do instrumentário tradicional; de Messiaen, a organização da altura, da duração, da intensidade e do ataque segundo um princípio único. Assim, não se fechando para ninguém (desde que este alguém tenha status de "grande compositor germânico") ou ressintetizando necessidades dispersas por quase toda a música contemporânea (desde que esta música seja "válida"), Schönberg e Boulez dão ouvido aos "preceitos orgulhosamente humildes de um esnobismo evangélico" (Proust 1921: 427) [21]:

"Lembra-te de que se Deus te fez nascer nos degraus dum trono, não te deves aproveitar deste fato para desprezar aqueles a quem a divina Providência quis (louvada seja!) que fosses superior pelo nascimento e pelas riquezas. Pelo contrário, sê boa para com os pequenos. Teus antepassados eram príncipes de Clèves e de Juliers desde 647; quis Deus na sua bondade que possuísses quase todas as ações do canal de Suez e quase três vezes tantas de Royal Dutch quantas Edmond de Rotschild; tua filiação em linha direta está estabelecida pelos genealogistas desde o ano 63 da era cristã; tens como cunhadas duas imperatrizes. Assim, não pareças nunca ao falar lembrar-te de tão grandes privilégios, não que sejam precários (pois nada se pode mudar à antiguidade da raça e sempre se terá necessidade de petróleo), mas é inútil mostrar que és melhor nascida ou que teus investimentos são de primeira ordem, pois todo o mundo o sabe. Sê prestativa para com os desafortunados. Dispensa a todos aqueles a quem a bondade celestial te fez a graça de colocar abaixo de ti o que lhes podes dar sem rebaixar-te, isto é, auxílios em dinheiro e mesmo cuidados de enfermeira mas, bem entendido, de modo algum convites para as tuas recepções, o que não lhes faria nenhum bem, mas, diminuindo o teu prestígio, destituiria tua ação beneficente de sua eficácia." (Proust 1921: 427-28)
Alternativas ao petróleo estão sendo procuradas há algum tempo e a engenharia genética logo tornará possível não só clonar a Princesa de Parma como também dotar este clone das qualidades de beleza e espírito das quais -- noblesse oblige -- a Princesa tanto carecia. Afinal, ela era apenas uma remixagem muito bem sucedida.

Notas

[1] A designação "musicologia queer" parece preferível. A palavra queer significa, literalmente, "diferente do normal", "muito estranho" e, por derivação, "homossexual". Até recentemente pejorativa, ela foi retomada por ativistas libertários ou anárquicos em contraposição ao termo gay, associado a uma construção de identidade masculina, branca, classe média e consumista.

[2] "Qualquer música na qual a eletricidade esteja de alguma forma envolvida, no registro sonoro e/ou na produção, de modo distinto da simples gravação ou da amplificação com microfone" (Landy 1999).

[3] Quando narradas em termos da evolução das "ferramentas" (gravadores, sintetizadores, aplicativos etc.), as duas histórias, de fato, convergem.

[4] Uma abordagem histórica pode esclarecer a semântica de termos como "objeto sonoro", "morfologia", "música concreta", "música eletroacústica" etc., freqüentemente empregados em acepções distintas de uma "ilha" a outra, de um autor a outro ou até de uma etapa a outra da trajetória de um mesmo autor.

[5] Ao contrário do que esta afirmação sugere, Landy está ciente da heterogeneidade da "comunidade" em questão: vide o editorial de Organised Sound 2 (1).

[6] Sobre o paradigma ético/êmico vide Nettl 1983: 140-41.

[7] "O termo 'Teoria Crítica' entra mesmo em cena através da Escola de Frankfurt -- Adorno et al. -- e, portanto, tem raízes no pensamento pós-marxista (se você quiser podemos discutir este "pós-"! LOL [Lots Of Laughs]). De certa forma, ele passa a ser usado então para os parisienses que emergem nos anos sessenta: Kristeva, Barthes, Cixous, Derrida, Deleuze, Clement, Irigaray, Lyotard et al." (Sweeney-Turner 1999b).

[8] "Esta é certamente uma condição quase inevitável de qualquer musicologia das formas Modernistas ou pós-modernas de música?" (Sweeney-Turner 1999a).

[9] Repete-se ad nauseam que a música "eletroacústica" surgiu da combinação dos materiais da musique concrète e da elektronische Musik nas obras Gesang der Jünglinge  (1956), de Stockhausen, e Thema -- omaggio a Joyce (1958), de Berio; Haut voltage (1956), de Pierre Henry, é tradicionalmente ignorada.

[10] O leitor familiarizado com a doutrina das quatro causas (vide Heidegger 1954b) vai encontrar aqui a causa materialis (sons eletrônicos e gravados), a causa formalis (serialismo e colagem) e a causa efficiens (razão e intuição); com o equipamento (sintetizadores e gravadores) substituindo a causa finalis.

[11] Não faz sentido aplicar a série, cuja função é evitar relações tonais, a sons sem altura definida, os quais, por definição, não engendram relações tonais.

[12] "Música concreta serial poderia ter sido composta", afirma Landy (1999). De fato, peças seriais foram criadas pelo grupo concreto em 1952 e rotuladas como "música concreta abstrata" por Goléa em 1953: Antiphonie, de Henry, Étude à un son, de Boulez, Timbres-durées, de Messiaen, e Étude I, de Philippot (vide Goléa 1953: 39-43 e Palombini 1993: 543-44).

[13] Os termos "sincrônico" e "diacrônico" são tomados de empréstimo à lingüística para designar o estudo de problemáticas que se situam, respectivamente, em certo ponto do tempo (sincrônicas) ou em certa extensão de tempo (diacrônicas).

[14] Por exemplo, uma análise comparativa das biografias de Beethoven disponíveis em alemão no centenário de sua morte (sincronia/história), em contraposição a uma análise comparativa das biografias de Beethoven publicadas em alemão entre o centenário de seu nascimento e o de sua morte (diacronia/história). Ou um estudo comparativo dos significados do termo "corpo sonoro" como empregado por Pierre Schaeffer e Pierre Boulez em Vers une musique expérimentale, redigido em 1953 e publicado em 1957 (sincronia/sistema), em contraposição a um estudo comparativo dos significados do termo "morfologia" como empregado por Schaeffer em Traité des objets musicaux, publicado em 1966, mas redigido no decorrer de quinze anos (diacronia/sistema).

[15] Auschwitz, a metáfora de Lyotard (1986) para a liquidação do projeto da Aufklärung, assume uma concretude inusitada aqui.

[16] Para o conceito de écriture vide Barthes 1953.

[17] Vide Lacan 1966.

[18] O ano é o da primeira edição francesa, o número de página é o da tradução inglesa (vide referências).

[19] Sobre o sentido do termo remixagem, vide Austin 1999:

Um termo que -- para mim -- adquiriu um novo significado é remixagem.

Por extrapolação, acho que entendo o novo uso. Ao invés do antigo significado verbal -- quando um compositor faz uma segunda, terceira ou enésima mixagem dos materiais de uma peça para fita, por exemplo -- ele tem hoje um significado mais amplo: a recombinação dos materiais de uma peça já acabada, seja ela nossa ou até de outro compositor ou compositores (!).

[20] "Enquanto a melodia permanecia como elemento fundamental no interior mesmo da polifonia, pode-se dizer que no sistema serial, como concebido por Webern, é o próprio elemento polifônico que se transforma em elemento de base: daí que este modo de pensamento transcenda as noções de verticalidade e horizontalidade" (Boulez 1953: 31).

[21] O ano é o da primeira edição francesa, os números de página são os da edição de 1983 da Pléiade (vide referências). A presente versão leva em conta a tradução para o português, por Mário Quintana (id.).

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